Sapopema realiza expedição para o diagnóstico da pesca do acari e produção de piracuí em Prainha, Pará
/No período entre 22 e 25 de setembro, a equipe da Sapopema percorreu comunidades do município de Prainha, no Baixo Amazonas, para levantar informações sobre a cadeia produtiva do piracuí e discutir acordos de pesca. O trabalho buscou compreender os desafios enfrentados pelas famílias que vivem da captura do acari, espécie importante para a produção da farinha de peixe que é parte da identidade alimentar e fonte de renda na região
O roteiro incluiu reuniões e acompanhamento direto da produção nas comunidades São Sebastião, São Miguel do Socoró, Menino Deus e Chicantã. Em cada local, a equipe técnica liderada pelas pesquisadoras Ádria Santos e Ericleya Marinho puderam observar a rotina de trabalho, as formas de organização entre homens e mulheres, além de ouvir as percepções sobre o cenário atual da pesca do acari.
Na comunidade São Miguel do Socoró, César Araújo, produtor de piracuí, destacou a centralidade dessa atividade para a vida das famílias. “O piracuí representa a nossa sobrevivência, a produção que a gente tem aqui é realmente o piracuí”, afirmou. Ele explicou que o trabalho é diário e exige esforço contínuo: “A gente sai cedo, acompanha o processo até a noite. É o custo de vida do pescador”. Ao falar sobre a disponibilidade do acari, César lembrou que o peixe tem diminuído nos últimos anos. “Tá uns dois anos para cá que vem faltando. Esse ano mesmo foi mais fraco. Costumava pegar bastante, agora já não é como antes”.
Na comunidade Menino Deus, o produtor Márcio Pires fez questão de reforçar que o piracuí é parte essencial da renda e da alimentação local. “Representa praticamente tudo, é renda e também alimento. Quando tá dando, a gente não gasta com compra de peixe”. Ele também relatou a diminuição da disponibilidade: “Antigamente a gente colocava a malhadeira aqui perto e enchia o casco. Hoje já está mais difícil, só em lago e igarapé”.
A divisão de tarefas entre homens e mulheres é flexível e depende da quantidade de peixe disponível. Márcio contou que, quando a produção é pequena, as mulheres se encarregam da limpeza do peixe. “Se for pouco, só elas descascam. Mas quando a gente pega bem, aí não tem quase divisão, todo mundo ajuda para agilizar”.
Acliane Gomes, também da comunidade Menino Deus, lembrou que o trabalho vai além da pesca e do beneficiamento. “A gente ajuda a cozinhar, preparar a lenha, carregar água, descascar o peixe. Depois vem a torra, que é feita junto com eles. Cada um tem sua parte nesse processo”.
Além da pesca do acari, outras atividades como a captura de camarão complementam a renda, mas o piracuí segue sendo a base econômica. “Quando o preço está bom, a gente consegue uma renda boa”, disse uma das produtoras. “Semana passada vendemos a quarenta reais, mas isso varia. Depende da quantidade de peixe que tem no mercado”.
A especialista em acari, Ericleya Marinho, destaca a urgência da criação de estratégias para o manejo sustentável dessa espécie, considerada emblemática para o Baixo Amazonas. Segundo ela, o acari é um recurso econômico de grande relevância para centenas de famílias ribeirinhas e um símbolo cultural da região e um pilar da segurança alimentar local. “É preciso avançarmos urgentemente na construção de medidas de manejo sustentável para a conservação do acari, para não corrermos o risco de comprometer o sustento e a identidade cultural das comunidades que dependem diretamente dessa pesca”, ressalta.
O levantamento está sendo sistematizado para identificar a necessidade de protocolos técnicos e normas de manejo consolidadas para possibilitar a inserção do produto em mercados mais amplos. Para a Sapopema, o diagnóstico reforça a urgência de construir um protocolo participativo que alinhe saberes tradicionais e conhecimento científico, estabeleça regras para o manejo sustentável do acari e regulamente a produção do piracuí. A iniciativa que pode fortalecer a segurança alimentar das comunidades e ampliar o reconhecimento econômico e cultural dessa cadeia produtiva fruto da parceria entre a Sapopema e o Mopebam com apoio da Fundação Moore.
Fotos: Jones Gomes/Repórter dos rios e das florestas.